Diagnósticos do Espectro Autista para a série – AELIUS – Abril Azul
Visando contribuir com a divulgação de conteúdo sobre autismo, iniciamos, neste mês de abril, a produção de uma série de material sobre o tema. Buscamos produzir conteúdo que fale sobre as pessoas com autismo. Para dar continuidade, quero retomar o conjunto de características usadas para definir o quadro de autismo, lembrando que isto não esgota o tema, dada a sua amplitude. Enfatizo que o objetivo é focar nas pessoas. Vê-las como únicas que são. Pensar mais nas pessoas que nos sintomas.
“O Autismo é um espectro com habilidades e limitações, mas se o foco for as limitações, nunca enxergaremos as possibilidades. Abra a sua mente!” – Gretchen Stipp
O que vou falar pode vir a ser repetitivo, no entanto, para estabelecer uma linha de pensamento é importante retomar os critérios diagnósticos do espectro autista. As informações de que tratarei aqui você encontra em diversos lugares, porém, não basta conhecê-las, é necessário saber operacionalizá-las e com elas chegar ao diagnóstico com assertividade. Diversos sintomas que identificamos no quadro de autismo são comuns a outros transtornos do neurodesenvolvimento, assim, caracterizar o autismo, diferenciando-o dos demais transtornos do neurodesenvolvimento, é de fundamental importância para orientar as condutas subsequentes.
Em meio às facilidades de acesso às informações, lembro que ainda hoje, diante de aulas, eventos e mesmo conversas que abordam conceitos novos, eu me pergunto e às pessoas com quem converso, de que maneira posso fazer uso das informações, que ali obtenho, no meu cotidiano profissional e na interação com meus clientes na hora de atendê-los. Tal questionamento me auxilia na busca de transformar as informações que tenho acesso em instrumentos de trabalho no meu cotidiano e junto aos meus clientes.
Assim, retomando nossa conversa, creio que convém relembrarmos alguns referenciais básicos que fazem parte dos critérios de diagnóstico do autismo, mesmo que eles sejam amplamente discutidos e conhecidos.
Então, para continuar,quero primeiro situar o transtorno do espectro autista como sendo um entre os demais transtornos do neurodesenvolvimento. Isto é relevante porque eles dividem diversas características comuns. Primeiro, os sintomas de todos eles devem se fazer presentes logo no início da infância. Este é um ponto fundamental para a investigação, mesmo que ela aconteça tardiamente. A investigação deve partir de antes do nascimento, partir da gravidez e daí seguir pelos primeiros anos de vida, buscar identificar se na primeira infância houve alguma característica diferente do esperado, se ocorreu algum atraso entre os marcos do desenvolvimento (sentar, andar falar, entre outros). Se houve algum prejuízo ou atraso psicomotor ou de equilíbrio. Vale destacar ainda que, mesmo que cada criança apresente características próprias durante o seu desenvolvimento, existe um limite de tolerância para estas diferenças. Se há muita divergência do padrão esperado pode ser sim um sinal de desenvolvimento divergente ou atípico.
Tendo este conhecimento, logo que chegue uma criança, adolescente ou adulto com hipótese de autismo, para investigação, devemos ficar atentos aos critérios de diagnósticos deste transtorno e diferenciá-los dos sintomas que também pertencem aos demais transtornos dos neurodesenvolvimento. Relembrando os critérios diagnósticos temos de acordo com o DSM-5:
A. Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, conforme manifestado pelo que segue, atualmente ou por história prévia:
1. Déficits na reciprocidade socioemocional, variando, por exemplo, de abordagem social anormal e dificuldade para estabelecer uma conversa normal a compartilhamento reduzido de interesses, emoções ou afeto, a dificuldade para iniciar ou responder a interações sociais.
2. Déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para interação social, variando, por exemplo, de comunicação verbal e não verbal pouco integrada a anormalidade no contato visual e linguagem corporal ou déficits na compreensão e uso gestos, a ausência total de expressões faciais e comunicação não verbal.
3. Déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos, variando, por exemplo,de dificuldade em ajustar o comportamento para se adequar a contextos sociais diversos a dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas ou em fazer amigos, a ausência de interesse por pares.
B. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, conforme manifestado por pelo menos dois dos seguintes, atualmente ou por história prévia:
1. Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos.
2. Insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal (p. ex., sofrimento extremo em relação a pequenas mudanças, dificuldades com transições, padrões rígidos de pensamento, rituais de saudação,necessidade de fazer o mesmo caminho ou ingerir os mesmos alimentos diariamente).
3. Interesses fixos e altamente restritos que são anormais em intensidade ou foco (ex., forte apego a ou preocupação com objetos incomuns, interesses excessivamente circunscritos ou perseverativos).
4. Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente (ex., indiferença aparente a dor/temperatura, reação contrária a sons ou texturas específicas, cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimento).
C. Os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento (mas podem não se tornar plenamente manifestos até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas ou podem ser mascarados por estratégias aprendidas mais tarde na vida).
D. Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo no presente.
E. Essas perturbações não são mais bem explicadas por deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual) ou por atraso global do desenvolvimento. Deficiência intelectual ou transtorno do espectro autista costumam ser comórbidos; para fazer o diagnóstico da comorbidade de transtorno do espectro autista e deficiência intelectual, a comunicação social deve estar abaixo do esperado para o nível geral do desenvolvimento.
Assim, utilizando destes critérios e da investigação dos comportamentos, do histórico do desenvolvimento, das condições do ambiente onde ela vive e da mensuração das habilidades cognitivas e escolares, entre outras, podemos concluir que as queixas apresentadas fazem parte de um quadro autista e não de outro transtorno, seja ele do neurodesenvolvimento ou não. Ressalto que, às vezes , é possível que haja concomitância de transtornos, ou seja, mais de um transtorno ao mesmo tempo. Se isto acontece o olhar deve ser mais criterioso de modo a propor intervenções adequadas às necessidades existentes.
Então, chegamos juntos até aqui e você pode está inquieto perguntando: é possível que o profissional de saúde chegue a conclusão do diagnóstico de autismo em um único atendimento? Para esta pergunta creio que a melhor resposta é a cautela.
Vejamos, há alguns parágrafos citei os critérios diagnósticos. Eles situam os prejuízos no campo da linguagem e comunicação, pontua também que os déficits não podem ser explicados por prejuízos gerados por transtornos da comunicação (gagueira, mutismo, transtorno da linguagem, transtorno da fala, transtorno da comunicação social). As dificuldades no autismo são decorrentes da limitação de compreender certos elementos da linguagem, o não explícito, o menos concreto. Foi citado também que junto às dificuldades de linguagem e comunicação há também limitação na interação social. A comunicação e a linguagem são as principais mediadoras da interação social, se não houver convergência entre as pessoas, se não ocorrer alinhamento entre os elementos da comunicação resultará em falha na interação.
Outro item citado foi o prejuízo cognitivo, mas este prejuízo não pode resultar de um atraso global do desenvolvimento. Para diferenciar um do outro é importante mensurar o desenvolvimento cognitivo e para isto é de fundamental importância a utilização de instrumentos de avaliação neuropsicológica bem como avaliar se o atraso não resulta de uma educação deficitária e para isto é de fundamental importância o conhecimento da neuropsicopedagogia. O conhecimento da fonoaudiologia auxilia no esclarecimento de que tipo de déficits da comunicação a pessoa é afetada.
O comportamento repetitivo deve ser restritivo, ou seja, o repetitivo não pode ser por predileção, escolha da criança por um elemento preferido, necessita que seja impeditivo de modo que ao ser inserido outro elemento a criança reage rejeitando e às vezes até de forma hostil. Não pode advir de problemas de oportunidades e necessita se repetir em outros contextos.
Abordei alguns dos critérios diagnósticos, não era intenção esgotar o tema, apenas para exemplificar o quanto estamos falando de um fenômeno complexo, logo a resposta não pode ser simples. O desenvolvimento atípico nos primeiros anos de vida pode implicar em prejuízos em mais de uma área gerando déficits diversos. Como já dito, eles podem ocorrer no campo da linguagem, da interação social, das emoções, da cognição, entre outras, resultando em déficits na escolarização e em algumas situações até em atraso intelectual. Dada a amplitude do transtorno é importante, mesmo em situações em que os sintomas sejam clássicos, investigar as diversas áreas da neurocognição. Logo estamos falando de especialidades diversas e de um olhar e atenção multidisciplinar. Os diversos campos da saúde, psicologia, medicina, fonoaudiologia entre outros e o campo da educação necessitam integrar esforços para identificar adequadamente e oferecer suporte às pessoas e famílias afetadas.
O diagnóstico tem funções bem definidas, identificar as limitações e apontar caminhos, intervenções ou, quando for o caso, indicar soluções. À avaliação que leva ao diagnóstico cabe identificar os potenciais, pois a limitação não é absoluta, não invalida a pessoa, ou seja, além das limitações é fundamental indicar caminhos para o estabelecimento de estratégias que favoreçam a aquisição das habilidades esperadas ou compensação das limitações existentes. Não basta dizer o que é, antes é relevante caracterizar a pessoa e suas condições, ou seja, é por meio de uma avaliação detalhada, incluindo a família, escola e outros profissionais da saúde que podemos chegar a uma conclusão adequada.
Com isto termino por e no próximo encontro falaremos sobre os elementos comuns entre os transtornos do neurodesenvolvimento.
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Texto Escrito por nosso diretor clínico:
José Magnos
Confira mais sobre o assunto no vídeo com nosso diretor clínico: