Série Adolescência na Netflix: Afinal, de quem é a culpa?

25 de março de 2025
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O impacto da série e por que precisamos falar sobre isso

Mesmo sem ter assistido à série, o impacto que ela tem gerado me levou a escrever este artigo, não apenas como sócio da Clínica Aelius, mas também como pai e profissional da área de TI, que há quase 30 anos acompanha os desafios impostos pela era digital, e com isso posso afirmar que muitos já sabem que o que acontece na série é uma ficção baseada em fatos reais, mas parte dos problemas que ela retrata está presente na vida de muitas famílias – talvez até na minha ou na sua.

Outro fator que me motivou a escrever este artigo foi uma entrevista que ouvi no sábado com a neurocientista Telma Abrahão, na CBN. Assim como eu, ela não assistiu à série Adolescência, mas, mesmo assim, conseguiu abordar diversos aspectos da trama e seu impacto, que se tornou um grande sucesso na Netflix.

Penso que para muitas pessoas esse tema já faz parte do seu dia a dia, algumas de forma consciente e outras de forma inconsciente, inclusive acredito que isso justifica parte do enorme sucesso da séria, pois muitas pessoas acabam se identificando (mesmo que indiretamente) com os personagens da trama, e isso se confirma pela forte reação dos pais, que parecem estar despertando para um problema que já está escancarado há tempos, porém que ainda não sabemos como encarar sem se perder em meio a um turbilhão de opiniões diversas.

Aliás, esse turbilhão de ideias que brota no meio digital, gera muita confusão, e por trabalhar na área, conheço bem seus impactos – tanto positivos quanto negativos. Vivemos em uma sociedade que ainda não aprendeu a lidar com as redes sociais, e isso afeta todas as idades. No entanto, seu impacto é muito mais devastador em crianças e adolescentes, que ainda estão em pleno desenvolvimento biológico. Tudo isso se transforma em uma bomba-relógio na pré-adolescência, algo que já era complicado para os pais, mas que agora é muito mais por conta desse cenário que vivemos, onde existe um mundo paralelo que corre dentro de nossos lares, nas escolas, etc… E  pelo que já li e escutei sobre a série, parte considerável da história é sobre isso, e ali os problemas retratados são muito reais.

Em meio a tudo isso, já começam a pipocar vídeos no Tik Tok e Youtube, listando os culpados, pois isso é o que move, ou melhor, impulsiona boa parte da internet hoje, apontar os dedos para os culpados e falar o que aquilo que seus seguidores desejam ouvir, isso gera curtidas e comentários acalorados, que se transformam em views e por fim na monetização, pois as redes sociais performam mais em situações de conflito, e o algoritmo trabalha muito bem isso.

Nas redes sociais, o mais fácil é buscar culpados: a masculinidade tóxica, os pais “opressores”, o capitalismo, o comunismo… Há até quem enxergue a série como parte de uma conspiração do Deep State para aumentar o controle sobre os jovens, tirando-lhes os celulares. Mas enquanto cada lado grita sua própria versão da verdade, o problema real continua sendo ignorado: crianças e adolescentes estão imersos em um mundo digital que os molda de formas que nem sempre conseguimos perceber.

Também escutei o provável diagnóstico de TPB – transtorno de personalidade borderline e TDI pode referir-se a Transtorno Dissociativo de Identidade, outro grande problema que lidamos hoje na era digital, o diagnóstico do TikTok e Google, tema que já abordamos aqui em nos artigos da equipe Aelius e vamos continuar abordando.

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A adolescência sempre foi difícil, mas hoje é ainda mais

Mas, em meio a essa confusão, percebi que algumas pessoas conseguem enxergar esse contexto de forma mais ampla. No fim, não há um único culpado direto, e talvez o mais assustador, seja perceber que aquilo que a série retrata, poderia acontecer em qualquer família, seja com da vítima, do agressor ou de todos orbitam ao seu redor. E compartilho dessa visão: simplesmente encontrar um culpado não resolve o problema. O que realmente precisamos é abrir os olhos e enfrentar o problema, buscando soluções que não se baseiem em polarização ou acusações, mas sim no bem comum.

Um exemplo disso é que boa parte das postagens já coloca a cultura ‘Incel’ e a masculinidade tóxica como os grandes culpados, mas em um artigo que li na Veja a psicóloga Ilana Pinsky ressalta corajosamente um ponto em sua análise sobre a série:

Adolescência (série) não entrega vilões ou heróis prontos. Jamie não é apenas um garoto violento, assim como Katie não é apenas vítima. O que a série faz com maestria é nos lembrar do quanto a adolescência pode ser brutal. Garotos testam seu valor na capacidade de dominar; meninas aperfeiçoam a arte da crueldade social. A humilhação acontece em tempo real,  muitas vezes por meio de emojis e mensagens codificadas no Instagram, cujas marcas psicológicas ficam para sempre.

Digo “corajosamente”, pois ao ler a frase da psicóloga, sei que muitos já vão ativar seu sistema límbico, potencializado pelo algoritmo das redes sociais, para defender a menina ou até mesmo o menino com unhas e dentes, movidos por uma discussão sobre gênero ou qualquer outra bandeira mais ideológica. Mas o verdadeiro dilema é que na adolescência muitas vezes não existem apenas vítimas e vilões. Esse é um período da vida marcado por insegurança, impulsividade e necessidade de pertencimento que é ainda mais distorcido pelas lentes da internet. A série nos lembra que, nesse turbilhão de emoções, erros podem acontecer – e as consequências podem ser devastadoras nos dias atuais.

Assim como muitos vão estar prontos para apontar o dedo para o pai, ou mesmo os pais, porém em quase todos os vídeos que vi de psicólogos, Jamie e seus pais são uma “família funcional”, ou seja, é aquela que cumpre suas “funções básicas” de criação e desenvolvimento dos seus membros, sem maiores intercorrências.

E isso mostra quão complicado é a situação, pois hoje acabamos vivendo de fórmulas prontas e conceitos que costumam padronizar as pessoas, independentemente de sua história, do seu meio, entre outros fatores que orbitam em sua volta e moldam sua vida.

Ao que me parece, o pai de Jamie não é um ‘patriarca opressor’, mas também não é um pai leniente que permite tudo. Talvez o grande trunfo da série seja justamente mostrar um pai e uma mãe “funcionais” – como tantos outros –, seres humanos normais que, apesar de suas falhas, amam e querem o melhor para seus filhos.

Na própria entrevista da CBN que citei no início, a apresentadora Petria Chaves cita que em determinado momento o pai de Jamie fala que prometeu para si mesmo que não seria como seu pai, que recorreria a agressão física, mas ela pondera se por amor, nos últimos anos os pais não acabaram sendo muito permissivos, e nesse momento a neurocientista não teve receio e cravar o termo “negligentes” sobre a palavra “permissivos”, algo pesado, mas muitas vezes real.

Mas se o avô de Jamie errou pela agressividade, e o pai do Jamie talvez tenha errado pela permissividade, o fato é que no fim a maioria dos pais do presente, querem ser melhores que seus pais do passado, por amor a seus filhos, mas por inúmeros motivos a adolescência é um momento onde independente da vontade de todos os envolvidos, por inúmeros fatores um abismo pode ser criado.

E se isso já era complicado, um período da vida onde muitas vezes sua referência são os próprios amigos ou pais em dia de visita (ou ainda pior, adultos desorientados, alheios às dinâmicas da vida real), tudo agora é mais complexo porque vivemos a chegada de um novo período da história, e assim como a Idade Moderna deu lugar a Idade Contemporânea, hoje vivemos aquilo que muitos chamam de “turning point”, uma virada de chave onde a tecnologia sujeita a humanidade a revoluções contínuas e com ciclos cada vez menores, e isso dificulta muito essa relação que é evolutiva e lenta.

O mundo digital e o perigo da desconexão real

E hoje muitos pais vivem sobrecarregados, e em meio a essa confusão, muitas vezes acreditam que estão presentes na vida dos filhos porque têm uma relação de confiança e respeito por procurar o diálogo. Mas o que eles não percebem é que, enquanto passam algumas horas por semana conversando com seus filhos, esses jovens passam dezenas de horas interagindo com um mundo digital paralelo, onde novas regras, valores e influências se formam sem nenhum controle dos pais. 

Pois a verdade, é que enquanto os pais podem conversar alguns minutos com seus filhos no final do dia, essas crianças e adolescentes já passaram horas na escola, um lugar onde sinceramente acredito que todos estão preocupados com a tentativa de criar um mundo livre de bullying, mas que na prática se resume a um esforço de etiqueta (direcionado pelo politicamente correto) no mundo real, enquanto nas rodas de amigos ou nas demais horas do dia o filho segue colado em telas, em um mundo onde os ataques seguem sem filtro e com impactos ainda mais devastadores, pois hoje seu filho pode ser super popular, mas por um pequeno deslize ou algum mal entendido, essa aceitação pode ser retirada em segundos e a rejeição fica lá, pública, para todos verem, e nesse ponto convém lembrar que a neurociência reforça que exclusão social ativa as mesmas áreas cerebrais da dor física, e na adolescência essa dor se torna ainda mais central e intensa.

E eles nem podem se refugiar em casa, pois em casa suas telas continuam ali atraindo sua atenção, liberando dopamina enquanto segue criando um mundo paralelo onde crianças (e mesmo adultos) tem uma visão distorcida da realidade (ainda com sua capacidade cognitiva em formação), regada pela satisfação imediata entregue por vídeos curtos ou por uma visão de vida instagramável, que não se reflete em sua vida, o que promove em frustação e isolamento em uma fase que por si só já é muito complicada, e quando os pais finalmente percebem isso, ficam ainda mais ansiosos, e sua ansiedade gera mais ansiedade nos filhos, isso acaba se tornando um ciclo negativo e muitas vezes já é tarde demais para impedir situações mais críticas.

Situações, como por exemplo no Japão, onde já é  comum o termo “hikikomori”, que são uma classe de jovens que simplesmente não conseguem mais sair de seus quartos, e chegam a uma situação tão crítica que precisam ser retirados a força e muitas vezes internados.

Esse isolamento e desconexão, é aproveitado por grupos dos mais variados espectros e ideologias, que usam esses sentimentos para dar uma falsa sensação de pertencimento a esses pré-adolescentes, que em segredo, no quarto, no banheiro ou mesmo ao seu lado, passam a doutrinar o seu filho com um diálogo ainda mais intenso e eficaz, pois é potencializado pelo algoritmo de internet, que passa a entregar cada vez mais conteúdo similares, criando também a falsa sensação de que aquilo é real, e mais, que aquilo tem sentido e é o correto, a melhor solução para sua insatisfação com o mundo ao seu redor. 

E quando esse mundo paralelo toca o mundo real, o impacto é muito negativo, e antes mesmo da pandemia já era possível perceber a escalada alarmante de crianças e adolescentes que vivem com depressão, e infelizmente, um aumento proporcional de pessoas que acabam tirando sua própria vida, e diante desses problemas, temos assistido a dificuldades de pais, governos e instituições, a sociedade como um todo, de lidar com esses desafios que se fazem presente nas redes sociais de crianças e adolescentes que seguem com o olhar fixo em suas telas enquanto o mundo desmorona a sua volta.

E por isso, volto a afirmar que não existe um único culpado, não são os pais, não são as redes sociais, a educação, o TPB, entre tantos outros culpados pelo rigoroso tribunal da internet, e quando entendermos isso, será possível deixarmos muito ruídos de lado para tentarmos entender de forma clara o momento que vivemos, que é complexo, e até onde entendi, esse é outro grande trunfo da série, que não oferece respostas simples e imediatistas, e pode usar o bendito algoritmo da internet para que pessoas possam se identificar com a situação complexa e possam se questionar, procurar as respostas e ajudar outras pessoas.

Mas afinal, o que podemos fazer?

Apesar de todos os desafios, acredito que muitos pais e mães vão conseguir entender a gravidade do problema que vivemos, estabelecer limites, por exemplo, para o uso das telas. Mas isso não é responsabilidade apenas da família, mas sim de toda a sociedade. Professores atentos, treinadores que incentivam, profissionais da saúde que têm um olhar mais preciso – todos podem fazer a diferença na vida de um adolescente antes que seja tarde demais. Às vezes, identificando sinais ou com um simples gesto de acolhimento pode ser a chave para evitar um isolamento perigoso.

Se você sente que algo não está certo – seja como pai, mãe ou adolescente –, não ignore os sinais. Em caso de dúvidas, busque ajuda profissional. Conversar com um psicólogo pode ser o1° passo para entender melhor os desafios e encontrar caminhos para superá-los, e nesse ponto posso destacar a equipe da Aelius, que também está aprendendo em meio a esse  “turning point” da humanidade, mas sempre colocando a ética e a responsabilidade acima de correntes e algoritmos da internet que procuram ditar a vida das pessoas, respeitando o indivíduo, e entendendo que a questão principal pode até ser encontrar desconexões, falhas ou erros, porém a solução é encontrar respostas e apontar caminhos, não encontrar culpados.

 

10 Caminhos para Proteger Nossos Jovens na Era Digital

Como mencionei ao longo do artigo, não existe um único culpado ou uma resposta clara – nem na série, nem na vida real. Mas, se quisermos lidar com esse problema de forma eficaz, precisamos discutir o assunto sem ruídos e agir de maneira prática. Para isso, sugiro algumas medidas que pais, educadores e a sociedade como um todo podem adotar para reduzir os impactos negativos nos próximos anos:

1️⃣ Diálogo Aberto e Contínuo – Estabeleça um canal de conversa franca com seus filhos (ou alunos). Pergunte sobre suas experiências online, amizades e preocupações. O mais importante é criar um ambiente onde eles se sintam seguros para falar sem medo de julgamento, ao mesmo tempo em que entendem que você é uma referência e tem autoridade para orientá-los, deixando claro que, principalmente no caso dos pais, o objetivo final e buscar o melhor para eles.

2️⃣ Limites Saudáveis para o Uso de Telas – O uso excessivo da tecnologia impacta o desenvolvimento emocional e cognitivo dos jovens. O ideal é que, nos primeiros anos, as telas sejam evitadas no dia a dia (a não ser para conteúdos educativos). A partir dos  6 anos, recomenda-se um tempo máximo de 1 hora de tela por dia. Sabemos que essa realidade pode ser difícil para muitas famílias, mas estabelecer horários e momentos específicos já ajuda a equilibrar o mundo digital e o real. Com a recente lei federal sobre o uso de celulares nas escolas, esse tema já está em pauta e pode ser um ótimo ponto de partida para iniciar essa conversa com as crianças.

3️⃣ Educação Digital Consciente – Pais e escolas precisam se aprofundar no tema para ensinar crianças e adolescentes sobre os perigos da internet, como cyberbullying, manipulação de informações e a influência dos algoritmos. Quanto mais conhecimento eles tiverem, mais preparados estarão para navegar pelo mundo digital de forma crítica e segura.

4️⃣ Monitoramento Inteligente – Acompanhar a vida digital dos filhos não significa invadir a privacidade, mas sim estar atento às suas interações online, principalmente nas fases mais vulneráveis. É essencial entender que tipo de conteúdo eles consomem e oferecer orientação sempre que necessário. Existem diversos aplicativos que auxiliam nesse processo, adaptando-se à idade e à dinâmica de cada família.

5️⃣ Incentivo a Relações e Atividades no Mundo Real – Atividades esportivas, artísticas e momentos em família são fundamentais para que os jovens construam sua identidade além do universo digital. O equilíbrio entre o online e o offline é essencial para um desenvolvimento saudável.

6️⃣ Empatia e Acompanhamento Emocional – O isolamento e a pressão social podem levar a problemas graves, como ansiedade e depressão. Identificar sinais precoces e buscar apoio psicológico quando necessário pode fazer toda a diferença na vida dos adolescentes.

7️⃣ Escolas Preparadas para os Novos Desafios – As instituições de ensino precisam reconhecer o impacto das redes sociais e do bullying digital. Treinar professores para lidar com esses desafios e criar espaços de acolhimento para os alunos são medidas essenciais para garantir um ambiente escolar mais seguro.

8️⃣ Responsabilidade das Plataformas Digitais – Não se trata de censura ou controle excessivo, mas as redes sociais e aplicativos precisam assumir um papel mais ativo na proteção de seus usuários. Medidas como maior controle sobre contas falsas, aprimoramento de sistemas de denúncia e combate a conteúdos nocivos podem ajudar a reduzir a exposição excessiva e a manipulação dos jovens.

9️⃣ Apoio Psicológico Acessível – Buscar ajuda profissional deve ser algo natural e acessível para adolescentes e suas famílias. O acompanhamento psicológico não deve ser visto apenas como solução para crises, mas como uma ferramenta preventiva para fortalecer o bem-estar emocional dos jovens.

10 (é o mais relevante) :  Um Olhar Coletivo para o Problema – Essa não é uma responsabilidade exclusiva dos pais, professores ou dos próprios jovens. O enfrentamento desse cenário exige um esforço conjunto, com diálogo aberto e estratégias que envolvam toda a sociedade – de forma clara, sem ruídos ideológicos ou interesses próprios.

Artigo escrito por:

Walter Müller Maestrelli
Diretor de Planejamento e Marketing da Clínica Aelius.

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*Obs: Este conteúdo pode ser republicado gratuitamente, no todo ou em parte, desde que o autor seja citado e o endereço do site da Clínica Aelius (www.aelius.com.br) ou o link direto para o artigo seja inserido. Caso possível, pedimos que envie um e-mail para administrativo@aelius.com.br solicitando o uso, para fins de controle e registro da autorização.

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